100 anos do voo de Vespasiano Ramos para a além-vida
Pendurada no pescoço da tradição e nos troncos de um discurso ufanista sonolento, a cidade de Caxias-MA, mesmo se esquecendo de valorizar uma árvore ramificadíssima de personagens da sua história/cultura, nunca deixa de citar pelo menos três valorosos nomes da literatura produzida por filhos seus. Em meio a uma lista esticada de personalidades, no lábio do caxiense os três primeiros citados são Gonçalves Dias, Coelho Neto e Vespasiano Ramos. E, quase que como um jingle natalino, os nomes aparecem nessa mesma ordem apresentada no texto. Sobre este último personagem, que pela intimidade e afeto chamo de Dom Vespa, vou-me ocupar de falar um pouco da nossa relação criminosa/poética.
Arte de Ezíquio Barros Neto em comemoração do centenário
de morte do poeta brasileiro, natural de Caxias-MA, Joaquim Vespasiano Ramos
Desde muito cedo ouvi falar de Dom Vespa, mas só passamos a ter essa amizade/camaradagem a partir da minha entrada no curso de Letras da UEMA (Campus Caxias). A paixão se desencadeou mais fortemente quando pude sentir na pele do poeta as suas dores, interpretando, numa adaptação teatral do grupo TEALE, os chorosos versos de amor de Quincas (apelido de Dom Vespa ligado ao seu nome de batismo Joaquim). Lembro dessa peça com muito amolecimento na caixa-vermelha-bombeadora-de-sangue, porque pelo trabalho do saudoso amigo Luís e do professor Elizeu Arruda me surpreendi comigo mesmo, gravando poemas inteiros na cuca e, controlando o nervosismo debaixo dos tecidos do corpo, tive a possibilidade de encenar para uma plateia considerável no auditório Leôncio Magno.
Uma referência a respeito de Dom Vespa de grande valia é o livro “Cousa alguma... & + alguma coisa de/sobre Vespasiano Ramos”, organizado por Jomar Moraes. Por este volume, lançado em 2010, conheci de forma mais aprofundada o meu comparsa de aventuras vérsicas que com apenas 32 anos de idade desapareceu (fisicamente) deste mundo.
Dom Vespa, o autor do famoso poema “Samaritana”, fala muito de amor. Ele questiona em um de seus ternos/belos sonetos (Soneto VI) sobre quem de nós, ainda, não tenha caminhado sobre esta fogueira sentimental.
Tu que me lês, responde-me: tu amas?
Amas agora? Já na vida amaste?
A delícia de andar por entre chamas
De um grande amor, na vida, já encontraste?
Atualíssimo é o terceto final do seu “Ao Cristo”:
Porque, na terra deu-se apenas isto:
Multiplicou-se o número de Judas
E vai crescendo a prole de Pilatos.
A minha relação afetiva com Dom Vespa é muito intensa. O poeta há cem anos partiu dessa dimensão física para as esferas labirínticas do desconhecido, mas permanece aqui conosco. O vento que balança as árvores resistentes no Largo de São Benedito vem das essências dos sonetos e de outros versos nascidos das mãos desse grandioso caxiense. Impressionante era a semelhança que um ex-aluno meu da escola estadual Cristóvão Colombo apresentava com o poeta fotografado aos 20 anos de idade. Ele (o poeta) está entre nós como um fantasma desprezado, principalmente pelos punhetas governantes que como diz, noutras palavras, o escritor/jornalista Edmilson Sanches: de tão pobres só têm dinheiro.
De que importa trazer os restos mortais de Dom Vespa de Rondônia para o Maranhão? Rondônia o venera. E o Maranhão? E Caxias? E nós? Vamos ler/estudar/debater Vespasiano!? Vamos incentivar a pesquisa e a produção sobre Vespasiano!? Levar tudo isso para dentro das escolas e para adiante delas!? Por enquanto apenas borrifamos algo de Vespasiano por aí.
Dom Vespa nasceu em Caxias-MA no dia 13 de agosto de 1884 e há cem anos voou para a além-vida, na data de 26 de dezembro de 1916. Dom Vespa não merece ser traído, é um poeta que merece mais de Caxias e de todos nós.
Carvalho Junior,
professor/poeta, natural de Caxias-MA, membro efetivo da Academia Caxiense de Letras, autor de “Dança dos dísticos” (Editora Patuá, 2014).